(Nosferatu, eine Symphonie des Grauens),
de F.W. Murnau
(1922)

Ao invés de Conde Drácula, Nosferatu é Conde Orlok, uma das mais fiéis representações filmicas do vampiro. Alto, esguio, esquálido, com orelhas, nariz e dentes pontiagudos, Murnau consegue representar com sucesso a figura do personagem macabro de Stoker. Na verdade, o horror se transfigura em Nosferatu. É a própria representação (e expressão imagética) do Mal e do estranhamento sugerido pela figura mítica do vampiro. O conteúdo do Mal se exprime com vigor na forma de apresentação do personagem. De fato, nunca o cinema de horror conseguiu expressar com tanta fidelidade a dimensão macabra da lenda do vampiro como em Nosferatu, de F.W. Murnau.

O Conde Orlock, é, em si, uma figura estranha e aterrorizante. Como salientamos acima, sua imagem expressa o próprio conteúdo do seu ser maligno. Não existe em Nosferatu a dissimulação/ocultação da natureza maligna do vampiro. O horror se expressa em-si e para-si. O mal está entre nós e assim se apresenta em corpo, espírito e verdade. De certo modo, o vampiro de Murnau conseguiu ser a síntese estética do Horror que iria se abater sobre a civilização do Capital na década seguinte - nos anos de 1930 ocorreria a a ascensão do nazi-fascismo na Alemanha, pre-anunciando o horror da II Guerra Mundial. É o que Arendt considerou a “banalização do Mal”. Nosferatu poderia ser considerado a própria expressão da “banalização do Mal”. Como Mr. Hyde, o personagem de Robert Louis Stevenson em O Médico e o Monstro (de 1886), Nosferatu consegue ser a expressão em imagem da essência do Mal. Como diz a abertura do filme, “Nosferatu é a palavra que se parece com o som do pássaro da morte da meia-noite”.
O filósofo alemão Walter Benjamim registrava com maestria em seus textos o êxtase das pessoas diante das invenções da Modernidade. Por exemplo: os moradores da Paris do século XIX deslumbravam-se com a iluminação noturna de lampiões a gás, que ofuscava a luz das estrelas. Com a invenção da lâmpada incandescente, em 1878, por Thomas Edison, a luz dos lampiões a gás passou aos poucos a ser substituída por pequenas redes elétricas de iluminação, limitadas, é claro, aos centros urbanos. Com o avanço da lâmpada incandescente, a noite, com sua escuridão, perdia, mais ainda, seus encantos naturais. Além disso, a invenção da lâmpada incandescente inaugura uma nova era: a da utilização da eletricidade como energia economicamente viável. Antes da invenção da lâmpada incandescente, as necessidades de utilização da energia elétrica eram pequenas, embora houvesse certa aplicação nas comunicações e na metalurgia. A lâmpada incandescente de Edison era apenas a ponta de um complexo sistema, integrando tecnologia e aspectos financeiros, comerciais e políticos. Ele criou uma rede elétrica para os centros urbanos, na mesma escala que as de gás. A Edison General Electric foi fundada para explorar as patentes das tecnologias inventadas e produzir todos os elementos do sistema de energia elétrica, de dínamos a lâmpadas. Associado aos irmãos Siemens, instalou a primeira rede de iluminação pública da Europa. Ela inaugura uma nova era do desenvolvimento capitalista – a do imperialismo com suas grandes empresas monopolistas que, com suas maravilhosas invenções modernas, “desencantavam” o cotidiano de homens e mulheres dos centros urbano-industriais.

Na medida em que o homem pode agora prolongar o dia e até abolir a noite, o vampiro, que é a criatura da noite, aparece como a representação alegórica de um passado que nos persegue, pois se inventamos a eletricidade, e com ela, a lâmpada incandescente, não conseguimos abolir em definitivo os ciclos da natureza. Na verdade, embora o capital em seu processo avalassador, tenda a promover o recuo das barreiras naturais, não consegue abolir a Natureza em sua dimensão estranhada. Eis o seu limite crucial. O vampiro, talvez seja, em sua dimensão sócio-estética, a representação alegórico-fantástica das contradições sócio-metabólicas do processo civilizatório do capital. O vampiro seria apenas a alegoria fantástica de uma Natureza estranhada.
Além disso, a passagem para a Modernidade urbano-industrial, tanto em sua via clássica, com a Revolução Inglesa, quanto em sua via prussiana, cujo caso alemão é exemplar, ocorreu através da conciliação do novo com o arcaico, da classe burguesa emergente com a classe aristocracia. A nobreza feudal, classe de origem do Conde Drácula, manteve, de certo modo, seus privilégios nobiliárquicos nas sociedades burguesas (principalmente nos países capitalistas de via prussiana). Deste modo, é como se o vampiro expressasse, ou fosse o resultado maligno, do caráter conciliador do próprio desenvolvimento capitalista, com as forças do passado (e com os mortos). Marx (e Comte) já salientaram o caráter contraditório da Modernização – com a preservação do Não-Morto – quando disse que cada vez mais os mortos pesam sobre os vivos.
Entretanto, como já destacamos, Drácula, de Bram Stoker, é um romance burguês que não deixa de festejar o Iluminismo, representado pela ciência moderna. Mas, por outro lado, consegue apreender, de forma alegórica, que, apesar do avanço da “civilização da luz”, a Belle Epoque, a escuridão em suas múltiplas formas literais ou alegóricas, e com ela o medo de fantasmas do passado e da tradição, ainda se mantém como espaço da barbárie histórica. É talvez expressão de um sócio-metabolismo do capital imerso em contradições suas e do próprio processo civilizatório (além, é claro, de ser, expressão da própria via contraditória de desenvolvimento capitalista com suas conciliações “pelo alto”).


Mas, na mesma medida, o Nosferatu de Murnau, pode ser considerado a prefiguração alegórica da via prussiana, ou do modo de desenvolvimento capitalista que se caracteriza pela conciliação do arcaico com o moderno (o moderno perderia vigor crítico na narrativa filmica de Murnau em virtude das próprias condições sócio-históricas da Alemanha semi-feudal). Ou dizendo melhor, o vampiro de Murnau é o retorno do atrasado – o Não-Morto, que tanto caracterizaria a modernidade capitalista, em sua expressão fantástica.
O vampiro de Murnau é uma figura solitária que apenas almeja ocupar uma velha mansão diante da casa de um jovem casal de Wisborg para prosseguir na sua ânsia de sangue e vida. Orlock, fascina-se por Ellen, jovem esposa de Hutter. Ele, um agente imobiliário, que trabalha para Knock, agente imobiliário oficial da cidade (e que é servidor fiel do Conde Orlock). Mais tarde, Knock iria aparecer internado no asilo local, talvez enlouquecido com a perspectiva da chegado do amo e senhor Conde Orlock.
Conde Orlock é um rico proprietário na Transilvania que busca expandir suas propriedades para Wisborg. Para isso, contacta (e o incorpora como agente espiritual), Knock. É curioso que Orlock utilize símbolos e anagramas em suas cartas com Knock. Possui talvez uma linguagem própria. É Hutter que viaja até a Transilvania para vender a Orlock a propriedade em Wisborg. É convencido por Knock, que afirma: “Você pode ganhar muito dinheiro”. Provavelmente recém-casado, Hutter busca acumular fortuna através da atividade de corretagem imobiliária. Seu personagem é a representação do homem moderno, ansioso em acumular dinheiro e incrédulo (e caçoador) diante da Tradição – como iremos ver suas atitudes diante dos aldeões locais, hospitaleiros mas aterrorizados pelas criaturas da noite. É por isso que irá encontrar-se com Orlock na Transilvania, o “país dos ladrões e dos fantasmas”.

O filme Nosferatu, além do par antitético luz-escuridão, possui outra par antitético: vida-morte. É na estalagem próximo do castelo de Orlock que Hutter encontra o livro que irá carregar até Wisborg. Apesar de ser incrédulo e caçoar das superstições dos aldeões, Hutter irá se apegar a esse livro (o que demonstra que o destemor de Hutter apenas oculta um sentimento ambíguo diante do desconhecido) . O livro chama-se “Os Vampiros - Terríveis Fantasmas – Magia e os 7 Sinais da Morte”. Os aldeões temem a noite, pois ela representa o desconhecido, e diante do terror de Orlock, a morte. Ao pedir aos cocheiros que o levem até o Conde Orlock, logo após o pôr do sol, Hutter recebe logo a resposta deles:“Pode nos pagar qualquer coisa. Não prosseguiremos de jeito nenhum”. Uma atitude que se contrasta com a disposição de Hutter de ir até a Transilvania na perspectiva de ganhar muito dinheiro.

Orlock é bastante cortes com Hutter, apesar de sua figura estranha. O vampiro possui gestos aristocráticos. Vive solitário em seu velho Castelo na Transilvânia. Nosferatu não tem criados. Apenas exerce uma influência sinistra sobre as forças naturais, de animais a homens e mulheres, transformados em seus servos fiéis (é o caso de Knock e de Ellen, que não é propriamnete sua serva fiel, mas apenas está pressentindo seus desejos de possui-la). É Orlock que carrega seus caixões cheios de terra natal e ratos. Os caixões servem para preservar seus poderes.
Para chegar até Wisborg, Orlock precisa carregar seus caixões através do mar. Utiliza um navio mercante. Ele alucina e extermina, aos poucos, toda a tripulação. Sem utilizar uma arma, Orlock domina os marinheiros pelo terror. As autoridades de Wisburg acreditam que foi a peste que dizimou a tripulação do navio-fantasma. Após a chegada do navio (e de Orlock, que se estabelece numa velha mansão em frente da casa de Hutter e Ellen), a cidade é declarada possuída pela peste. O medo domina a todos: “A peste está escondida em todos os cantos da cidade”. Mas, a verdadeira peste, que todos desconhecem, é a chegada de Orlock. Com Orlock vieram, é claro, os ratos, transmissores da peste. Mas o poder oculto que os conduz é Nosferatu. Inclusive, a multidão de Wiborg culpa Knock pela chegada da peste na cidade: “A peste foi trazida por uma vítima – Knock”. O alucinado servidor de Nosferatu consegue fugir, mas é perseguido pela multidão.
Em Nosferatu de Murnau, o personagem que representa o poder da Ciência é o Prof. Bullwer, que aparece explicando para seus alunos os mistérios da natureza. Fala dos pólipos com tentáculos “quase sem corpo” e das plantas carnívoras. É como se Nosferatu fosse mais um mistério da natureza, com sua sede por sangue e vida. Pressentindo que seria atacada pelo vampiro, Ellen implora a Hutter que chame o Prof. Bullwer, cientista capaz de encontrar uma solução para os mistérios e encantos de Nosferatu. Mas, naquela noite, em sua primeira investida contra Ellen, Nosferatu chega tarde: ouve o galo da manhã e é atingido pelos primeiros raios do sol. Em sua cela, Knock lamenta: “O mestre está morto”. Após o desaparecimento de Nosferatu, a mortandade em Wiborg acabou. O que demonstra que a verdadeira peste que atingiu a cidade alemã tinha um nome – Nosferatu.
Nosferatu é muito legal!É uma das historias mais autenticas, em minha opinião!
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